O Sistema Cantareira morre um pouco a cada dia. Seu volume de água útil acabou. Sobrou apenas o “volume morto” para abastecer cerca de nove milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo. A reserva técnica já dá sinais de exaustão: o nível de água marcou 16,2% na sexta-feira, dia 25 de julho. Para afastar preocupações, o governo anunciou um backup: pretende recorrer ao “volume morto” do Alto Tietê.
Após a utilização da reserva técnica do Cantareira, chegou a vez do Sistema Alto Tietê ter a água que fica abaixo das comportas usada. Admitindo o esgotamento do segundo principal manancial que abastece a Grande São Paulo, a Sabesp anunciou, na última segunda-feira, dia 21 de julho, que pretende retirar 25 bilhões de litros das reservas profundas de duas das cinco represas que formam o sistema.
ARRISCADO
O professor Antônio Carlos Zuffo, chefe do Departamento de Recursos Hídricos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), prevê que a água do Sistema Cantareira, que abastece a região de Campinas e parte da Grande São Paulo, vai acabar até o início de novembro. A estimativa é baseada em um cenário sem chuvas até a data.
Outros especialistas se mostram temerosos com a proposta anunciada pelo governo e garantem que é insustentável ressuscitar reservas atrás de reservas e esgotar uma a uma.
Como medida emergencial para contornar a crise hídrica, o Alto Tietê já vem socorrendo os bairros da capital paulista há algumas semanas, o que tem feito seus níveis caírem em ritmo alarmante.
Para piorar, o uso do “volume morto” deve garantir menos de um mês de sobrevida ao manancial. Resultado: sem previsão de chuva substancial, os dois maiores sistemas que abastecem a Grande São Paulo podem entrar em colapso até o final do ano.
TIRO NO PÉ
A doutora em recursos hídricos e professora dos cursos de engenharia ambiental e sanitária e de engenharia civil da Universidade Anhembi Morumbi, Roberta Baptista Rodrigues, explica que a recuperação desses mananciais vai ser extremamente complicada, mesmo com o retorno das chuvas. “À medida que o nível da água reduz, aumenta a taxa de evaporação, porque o solo fica mais seco e em contato com a atmosfera. Assim, a água da chuva infiltra e evapora”, disse.
Além disso, ela considera a estratégia do governo de negar o racionamento como “um tiro no pé”, pois é uma medida que, segundo ela, precisava ser tomada. Embora tenham aumentado as reclamações de moradores sobre faltas temporárias de água, a Sabesp continua negando que se trate de rodízio, e afirma que as faltas são ocasionadas por manutenções na rede de distribuição.
RACIONAMENTO
O doutor em engenharia de recursos hídricos pela USP, Marco Antonio Palermo, critica o uso das reservas técnicas. “O uso do ‘volume morto’ é uma estratégia paliativa e muito deletéria, que não trata o problema de forma estrutural. Pior, está virando rotina. Isso não pode ser prática de uma política de gestão de recursos hídricos, que deve focar na produção de água e no uso do volume útil”, defende.
De acordo com Marco Antonio, se São Paulo tivesse iniciado o rodízio em janeiro, muito provavelmente não teria sido necessário recorrer à reserva técnica, que só seria utilizada em último caso. “Ainda que tardio, o racionamento é a melhor solução”, defende o doutor.