Joaquim Martins: o “Quim” da Lisboa – A maior parte dos empresários do Tatuapé são filhos de imigrantes europeus. Não poderia ser diferente com Joaquim Martins. Antonio Martins, natural de Portugal, seu pai, veio sozinho para o Brasil, isto nos primeiros anos de 1900. Uma vez aclimatado, mandou vir Antonia da Conceição, sua namorada, e o irmão dela, José Rodrigues Souto.
No longínqüo ano de 1913, os três montaram uma modesta padaria no Largo Nossa Senhora da Conceição, que mais tarde, a partir de abril de 1931 teria sua denominação mudada para Praça Silvio Romero. No início constavam como sócios-proprietários os irmãos Antonia e José. Sempre junto deles, Antonio os auxiliava de todas as maneiras possíveis.
Passado algum tempo, os noivos casaram-se. O ato foi realizado na Paróquia do Brás. Antonio tinha na época 25 anos. Dos cinco primeiros filhos do casal, Alfredo e José (Zequinha) faleceram com tenra idade, 4 e 7 anos respectivamente. Odete, a única filha, viria a falecer aos 42 anos. De todos os filhos do casal apenas Alfredo, o terceiro filho também batizado com esse nome, e Joaquim viveriam até os nossos dias.
As instalações da incipiente padaria, montadas em acanhado armazém, eram constituídas de um simples balcão e de rudimentares prateleiras de tábuas de madeira aparelhada. Diferente das padarias atuais, que comercializam uma infinidade de produtos, as antigas vendiam apenas pão. A simplicidade do estabelecimento só era comparável à pobreza da praça, um quadrado ermo de terra batida. No seu centro a humilde capela de N. S. da Conceição, datada de 1899, ladeada por umas poucas árvores. Ao redor da praça, algumas solitárias casas térreas em meio a diversas chácaras e terrenos vazios. Essa situação manteve-se por muitos anos, no final da década de 30, pouco diferente era o quadro descrito. Joaquim Martins, o nosso biografado, nasceu no bairro do Brás em 27 de janeiro de 1927. Viria para o Tatuapé em 1929. Um ano após, Antonio Martins, seu pai, falecia.
À frente da padaria, o quadrado de terra batida era cenário de famosas “peladas” de futebol praticadas pela garotada da vizinhança, claro que o garoto vindo do Brás não poderia ficar de fora. Empinar papagaios (agora chamados de pipas) era outra diversão muito apreciada por eles. Por ocasião das festas juninas, fazer fogueiras, soltar balões ou correr atrás daqueles que caíam nas proximidades, eram atividades imperdíveis.
Vez por outra, os garotos escapavam da vigilância dos pais e davam uma escapada até o Rio Tietê, no trecho final da atual Rua São Felipe. Não havia gozo maior do que dar uns mergulhos nas suas águas limpas. Dificilmente um garoto do Tatuapé deixaria de caçar passarinhos do lado oposto do rio, atual Parque Novo Mundo. Armados de arapucas e alçapões, para lá se dirigiam inúmeras vezes.
Em meio às brincadeiras de rua, os pais não se descuidavam do estudo dos seus filhos. Joaquim estudou inicialmente no Grupo Escolar Visconde de Congonhas do Campo, depois na Escola de Comércio Rui Barbosa, na Rua do Hipódromo, da qual saiu com certificado em contabilidade.
Em 1949, sua mãe e seu tio José resolveram passar a padaria para Alfredo e Joaquim. Os dois irmãos que durante tantos anos haviam trabalhado sem auferir salários, de um momento para outro passavam a proprietários do estabelecimento. Em momento algum houvera por parte dos irmãos qualquer tipo de pressão ou de exigência, a sucessão dera-se de maneira natural e espontânea.
Com o passar dos anos, a lenta, porém inexorável transformação do bairro, obrigaria os sócios a modernizar o estabelecimento. Em 1952 a padaria passaria para novas instalações do lado oposto, local no qual se acha até os dias atuais. Alguns fatos pitorescos ocorreram durante os quase noventa anos de existência da Padaria Lisboa.
Por longos anos, o Tatuapé careceu de mínima infra-estrutura. Era absolutamente absurdo pensar em telefone e serviço de correio. Em dada época foi instalado um telefone público no recinto da padaria. Por ser o único em toda a região de Vila Gomes Cardim, a ele recorria toda a sua população. Como não podia deixar de ser, formava-se longa fila na frente do estabelecimento.
Naquele tempo não havia a desenfreada correria dos dias atuais. As pessoas, mais pacientes e nada estressadas, acabavam batendo logos papos e estreitando amizades. A Padaria Lisboa também centralizava os serviços de correio. Pelo fato de residirem na Vila Gomes Cardim muitos imigrantes – europeus e nordestinos –, centenas de cartas eram emitidas e recebidas diariamente. Um funcionário do correio central transladava-se da Avenida Celso Garcia até a Praça Silvio Romero trazendo e levando os malotes contendo as cartas.
Durante aproximadamente duas décadas foi mantido esse sistema rudimentar de correio. Como se vê, a famosa padaria além de produzir e comercializar pães foi uma eficaz prestadora de serviços.
Em 1969, o “Quim” da Lisboa, como era carinhosamente chamado por seus amigos, casava-se com Dalva Roveri Martins. O casal teve três filhos: Milena, Flávio e Giuliana. Em 1986, aos 98 anos de idade, falecia d. Antonia da Conceição Martins, matriarca da família.
Além de proprietários da panificadora, Alfredo e Joaquim foram sócios em diversos outros empreendimentos: o Auto Posto Martins, na Rua Emília Marengo (Jardim Anália Franco) e a Construtora Objetivo, cuja sede localizava-se em prédio próprio na Praça Silvio Romero. Fazia parte desta última sociedade, Alfredo Martins Junior, engenheiro civil, filho de Alfredo. Em 1990, compreendendo as novas exigências dos moradores do Tatuapé, Alfredo e Joaquim fundam sua loja de artigos importados, ao lado do seu antigo estabelecimento. Durante alguns anos a Padaria Montenegro, na mesma praça, pertenceu aos dois irmãos.
Paralelamente às suas responsabilidades de sócio de Alfredo na gestão dos diversos negócios da família, Joaquim sempre encontrava tempo para atividades comunitárias e de lazer. Em 1970, juntamente com outros empresários e profissionais liberais, foi fundador do Rotary Clube Tatuapé. Presidiu a importante entidade entre 1978 e 1979. Ajudou a fundar e foi conselheiro da Associação Comercial de São Paulo – subsecção Tatuapé, além de ativo participante do futebol das quintas.
Joaquim Martins, o “Quim da Lisboa” faleceu em 13 de dezembro de 2000.