Na década de 20, surge a primeira grande indústria do bairro: a Duperial. Seu prédio foi construído nos fundos da chácara dos Azevedo Soares, junto à divisa com a família Guadagnoli. Por tratar-se da fabricação de oleados e usar grandes quantidades de produtos químicos, os dois irmãos mandaram furar enorme poço, no qual eram jogados os resíduos resultantes do processo.
Oleado, para quem não sabe, é um tecido forte, impermeabilizado com uma camada de revestimento feita com resinas químicas e decorada com bonitos desenhos de paisagens ou motivos florais. Substituíam tapetes e passadeiras, sendo os preços bem mais acessíveis. Completamente em desuso nos dias atuais.
Por serem extremamente inflamáveis – os materiais aplicados na fabricação do produto – a fábrica sofreu dois pavorosos incêndios em meados das décadas de 20 e 40. Segundo depoimentos, o primeiro foi maior que o segundo. Paradoxalmente, os meios de combate a esses sinistros eram bem mais precários por ocasião daquele. O atendimento foi efetuado por carroções do Corpo de Bombeiros puxados por uma parelha de cavalos. As pessoas que os assistiram contam que em plena noite o céu tornou-se completamente rubro.
TECELAGEM SANTISTA
Sempre se pensou que a Tecelagem Tatuapé, do Grupo Santista, fosse a primeira grande indústria a ser instalada no bairro, mas o relato anterior mostra que a Duperial é ainda mais antiga, pois data do início dos anos 20. Fazendo um retrospecto, vê-se que as primeiras atividades industriais na região foram: a fabricação de tijolos pelas olarias distribuídas pelas margens do Tietê, a feitura das barcaças pela família Frassi e das carroças executadas por Raphael Boccia e seus filhos. As olarias representavam um tipo de indústria rudimentar das mais antigas que se conhecem, as outras duas um pouco mais avançadas, mas ainda artesanais e longe de envolver processos tecnológicos mais modernos.
Empresas com domínio destes últimos, surgiriam somente mais tarde, em início da década de 30. A Duperial em princípios de 20 e a Tecelagem Tatuapé em 1928, as duas únicas exceções. Pouco tempo depois aparecem a Tabacow, a Tecelagem Textília e o Cotonifício Guilherme Giorgi.
De 1930 a 1960 aproximadamente, cria-se no bairro um grande e complexo setor industrial, abrangendo uma enorme gama de produtos. A ocupação anterior da região por chácaras e campos de futebol da várzea, facilitaram a vinda dessas indústrias para cá. Bairros como o Brás, Mooca e Ipiranga já davam mostras da saturação. Principalmente os dois primeiros, mais centrais, possuíam poucos espaços disponíveis.
Aqui, não só se instalaram fábricas novas, como outras, já existentes, com necessidade de expansão. Assim, além daquelas já citadas, foram surgindo inúmeras outras: Lanifício Santa Branca, Tecelagem Guelfi, Tecelagem Abdalla, Tinturaria Fernandes, Porcelite, Lanifício Hasta, Motores Elétricos Brasil, Forest, Rosensveig, Ipem, Douglas, Mecânica Gráfica, Tecelagem Brasil, Fábrica de Cofres Padrão, Tinturaria Brasileira, Fábrica de Cofres Amaral, Philco, Tinturaria Paulistana.
Cartonagem São Paulo, Obermaier, Fábrica de Móveis Magistral, Bertuso e Gross, Cartonagem Perfecta, Progredior, Superba, York, Fundição Ômega, Niken, Pérsico Pizamiglio, Polidura Brasil, De Maio e Galo, Rasquini, Forkit (depois Giorgio Nicoli), Metalúrgica Gazarra, Rol-Lex, All Latex, RCN, Tecelagem Daud, Probel, United Shoe Machinery, GR, Tecelagem Olimpico, Estamparia Mantovani, Adrática, Lanifício Nave Morbin etc.
O afluxo dessas indústrias e as suas inúmeras necessidades obrigava as autoridades do município a prover o bairro de uma adequada infra-estrutura. Prontamente se fincaram postes, instalaram-se transformadores e se estenderam cabos elétricos. O asfalto começava a cobrir a maior parte das ruas, ao mesmo tempo em que a rede de água e de esgotos atingiam os mais distantes pontos da região.
Havia uns poucos telefones, mas a instalação dos aparelhos em larga escala ainda demoraria mais alguns anos. Às linhas de bondes e ônibus que passavam pela Avenida Celso Garcia, somaram-se diversas outras. Estas estrategicamente posicionadas, com vistas à cobertura de pontos extremos do bairro.
A EXPLOSÃO IMOBILIÁRIA
Como é fácil ver, a chegada de empresas industriais já dava início à criação de um incipiente encaminhamento para o setor terciário da economia. Exatamente aquele que iria predominar a partir de meados da década de 60. Após mais de 30 anos de permanência no bairro e regiões adjacentes, as indústrias começavam a se afastar.
Vários motivos levavam a isso: leis mais rígidas em relação a fatores poluidores; a necessidade de expansão de algumas delas; doação de terrenos e incentivos fiscais por parte de algumas prefeituras das cidades do interior; a busca de proximidades das estradas, de modo a facilitar o escoamento dos produtos fabricados etc.
Devido um fator aparentemente secundário, mas de certo peso, o alto preço atingido pelos terrenos do Tatuapé. As construtoras passaram a oferecer vultuosas importâncias por eles, na certeza de pleno retorno.
Vale acrescentar ainda que o Tatuapé durante os anos de expansão industrial tornou-se um bairro essencialmente operário. As edificações predominantes eram casas térreas e sobradinhos. O consumo era voltado principalmente para os gêneros de primeira necessidade.
Eu moro no Tatuapé há 62 anos, vi muita coisa mudar aqui, tenho tudo guardado na memória, uma pena que não tirei fotos antes dessa mudança total. O Tatuapé era um bairro de gente humilde e trabalhadora, tinha muitas chácaras, cortiços e casinhas simples, deu lugar a prédios luxuosos, comércio variado e infelizmente trouxe também muita bandidagem, infelizmente o progresso tem essas consequências também.