O Tatuapé, no início deste século compreendendo vastíssima área, não passava de uma zona rural. Inúmeras vilas, que mais tarde se tornariam autônomas, a ele pertenciam. Suas terras, em grande parte, eram tomadas por sítios, chácaras, pomares e terrenos sem uso algum. Em face disso, oferecia excelentes condições para a dissiminação daquele novo esporte. Outro não foi o resultado. Pouco a pouco começaram a surgir clubes por todos os seus rincões e em suas fileiras excelentes jogadores. Dadas suas virtudes, muitos acabaram envergando a camisa de algum clube da Divisão Principal. Outros por não poderem largar seus trabalhos, devido o sustento de suas famílias, acabaram não realizando seus sonhos.
Geralmente os clubes varzeanos representavam os moradores de uma rua ou vila, de uma empresa ou mesmo de uma casa comercial. Damos um exemplo: o Cruzmaltino primeiramente se chamou Casa Marta, nome de uma loja de tecidos e armarinhos que se instalara na Rua do Ouro (atual Estevão Pernet, 440), esquina com a Avenida Azevedo. O local é hoje ocupado pela Lotérica 4 – M. Também as sociedades civis e congressões das igrejas formavam suas equipes. Não raro os próprios párocos acabavam se envolvendo com os problemas esportivos das suas agremiações. Os clubes oriundos das ruas ou vilas, que normalmente não possuiam sede própria, expunham seus troféus em bares, armazéns e padarias. Estes estabelecimentos serviam ainda para outras finalidades: reuniões de diretoria, ponto de encontro de jogadores e diretores após o término das refregas para longos bate-papos e a costumeira cervejada. Também era comum a fixação de cartazes e jornais murais. Nestes, expunham-se as escalações, datas e locais para a realização dos futuros confrontos, decisões de diretorias etc.
Os jogos geralmente se realizavam nas manhãs e tardes dos domingos. Algumas agremiações, devido a falta de campo, jogavam aos sábados à tarde. Mas qualquer que fosse o dia, o período e o horário, lá estava a legião de seus torcedores marcando presença. Certos times tinham torcidas de dar inveja aos clubes da Divisão Principal, sendo fanáticos e bairristas seus adeptos. Não só as partidas de equipes do Tatuapé contra as de outros bairros geravam antagonismo. As realizadas pelos times locais provocavam rivalidade ainda maior. Cada agremiação dominava um determinado território da região, tornando-se soberana ao receber os adversários em seu campo. Alguns, como o Sampaio Moreira e o Vila Primavera, donos de enormes e fanáticas torcidas, podiam dar-se ao luxo de dominar até em campo alheio. Problema surgia quando esses dois times se enfrentavam. A tensão em que a partida transcorria se assemelhava ao filme Matar ou morrer, o clássico faroeste protagonizado por Gary Cooper. A massa de torcedores dos clubes mais queridos do Tatuapé os acompanhava onde quer que se apresentassem.
Um grupo não participante, mas de comparecimento assíduo aos campos onde se desenrolavam essas memoráveis batalhas, era o de vendedores ambulantes. Tremoços, amendoins, pipocas, algodão-doce, quebra-queixo e a infalível raspadinha (gelo raspado com groselha), eram as guloseimas oferecidas.
Claro que esses eventos eram alegres e festivos, mas nem sempre acabavam bem. Vez por outra, a partida resvalava para uma batalha campal. Nessas ocasiões misturavam-se diretores, jogadores e torcedores e quem mais lá estivesse. Um deus-nos-acuda! Socos, pontapés, rasteiras e pauladas, em meio a um corre-corre infernal. Um fato corriqueiro: a equipe em vantagem numérica de torcedores invadia a sede da equipe contrária e quebrava as dependências, os móveis, os troféus e tudo mais. Policiamento na várzea praticamente não existia, portanto a guerra deveria acabar por si só. Às vezes decorriam horas para a situação voltar ao normal. Dificilmente se criavam condições para o reinício do jogo, mas vez por outra o milagre acontecia, resultando uma relativa paz.
Como já foi dito anteriormente, uma das tarefas mais difíceis recaia sobre os juízes. Poucos eram os indivíduos que se aventuravam a apitar uma partida de futebol varzeano. Mas devido a impossibilidade de levar a bom termo uma peleja sem a presença de um, as duas agremiações, de comum acordo, escolhiam um infeliz. Nos primeiros momentos, umas poucas falhas do indivíduo eram perdoadas, mas à medida que os ânimos se exacerbavam os jogadores e torcedores de uma das equipes que julgavam estar sendo roubados começavam a ameaçá-lo. Este deveria estar bem atento e, ao primeiro sinal de tempestade, correr o máximo que pudesse, pois se fosse apanhado seria escalpelado.
AS PRIMEIRAS EQUIPES
Uma das primeiras agremiações surgidas no Tatuapé foi a Associação Atlética Guarany, no ano de 1913. Anos mais tarde, em 1925, surgiria o Vila Paris e, em 1926, o Destemido Futebol Clube. Em 1928 era fundado Clube Atlético Carrão. Um ano após este, ou seja, em 1929, seriam fundados dois dos seus maiores clubes: o Vila Primavera FC e o Esporte Clube Sampaio Moreira. Em 1938 começaria sua trajetória de grandes conquistas o Turunas Tietê. Em 1939 marcava presença o Grêmio Urca, uma das suas mais tradicionais agremiações. De meados da década de 30 até os anos 80, mais de uma centena de clubes foram fundados na região.
Uma grande quantidade de campos de futebol se espalhava entre a via férrea e a Avenida Celso Garcia, em área limitada entre as ruas Tuiuti e Vilela. Pertenciam a alguns dos clubes relacionados: Guarani, Tinturaria Brasileira, Grêmio Urca, Tuiuti, União Tatuapé, Tupi e Destemido. O Guarani, um dos clubes mais velhos do bairro, mais tarde passou a ocupar um terreno no final da rua São Jorge, às margens do rio Tietê. Com a compra da área pelo SC Corinthians Paulista, em 1940, ficou sem local para patrocinar seus encontros. O Destemido também perdeu seu campo na área acima citada e passou a jogar em campo da Rua São Jorge. O Vila Primavera apresentava-se em seu campo no final da Rua Maria Eugênia. O Duque de Caxias efetuava suas partidas na Rua Felipe Camarão, no local onde hoje se acha instalado o EESG Oswaldo Catalano. Alguns eram mais afortunados, pois sendo clubes formados dentro das indústrias dispunham de campo, sede e vestiários instalados dentro dos terrenos das próprias empresas. O Tinturaria Fernandes, o Tabacow e o Guilherme Giorgi exemplificam bem este caso.