Com a redução de mais 0,1% do volume, o Sistema Cantareira, principal conjunto de reservatórios de água da região metropolitana de São Paulo, atingiu na quinta-feira, dia 10 de julho, 18,7%, e dessa maneira zerou o seu volume útil. No mesmo período do ano passado, o nível era cerca de 60%.
SECA
A mais forte estiagem dos últimos 84 anos e as temperaturas acima da média no verão tiveram um grande impacto sobre a economia paulista neste ano. Este cenário não apenas reduziu o nível do Sistema Cantareira, maior fonte de abastecimento da região metropolitana de São Paulo, como também provocou outros reflexos: está baixando o nível da hidrovia Tietê-Paraná, dificultando o transporte por barcaças. Segundo estudo da Universidade de São Paulo (USP), uma seca como a atual só ocorre a cada 3.378 anos.
A seca teve efeito também sobre o agronegócio de São Paulo e do Sul de Minas Gerais. Na economia paulista, estima-se que pode haver uma queda de 20% da safra de culturas como café e soja neste ano. Levantamento da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas (Faemg), apontou, em abril, que o café valorizou 63,94% nos três primeiros meses de 2014, puxando para cima os preços dos produtos agropecuários, que no geral subiram 18,27%.
CHUVA
Aguardada como a solução para a crise do Sistema Cantareira, a próxima temporada de chuvas não deve livrar o principal manancial paulista do estado crítico. Uma análise estatística feita pelo comitê que monitora a seca nos reservatórios, revela que o sistema tem apenas 25% de chance de acumular entre dezembro e abril de 2015 uma quantidade de água (546 bilhões de litros) suficiente para repor o “volume morto” usado emergencialmente e ainda devolver ao Cantareira 37% da sua capacidade antes do próximo período de estiagem.
O FIM?
Se o ritmo de redução do nível de água continuar desse jeito, o volume armazenado será esgotado entre final de janeiro e início de fevereiro do ano que vem. A Sabesp tem calculado que o Sistema Cantareira poderá continuar fornecendo água à população até março. Isso considerando expectativas de meteorologistas de retorno das chuvas a partir do final de setembro.
ECONOMIA
Além da transferência de água entre sistemas, a Sabesp implantou em fevereiro medida de incentivo à economia pela população na forma de desconto na conta. O programa foi ampliado nos meses seguintes e atualmente envolve cerca de 19 milhões de habitantes, nos 31 municípios atendidos pela Sabesp na região metropolitana, e 11 cidades da região Bragantina, no noroeste do Estado. De acordo com a empresa, atualmente 91% da população reduziu o consumo de água. Deste total, 54% cortou o consumo médio em, pelo menos, 20%, o suficiente para terem direito ao desconto de 30% na conta.
FALTA PLANEJAMENTO
A Sabesp nega, mas especialistas em gestão de recursos hídricos afirmam que só a escassez de chuva não é a única causa do problema. Eles apontam a falta de planejamento de fontes alternativas e de investimentos em medidas capazes de amenizar os efeitos da estiagem.
A queda gradual no nível dos reservatórios – registrada desde 2010 com a redução do volume de chuvas – indica o início de um novo ciclo pluviométrico, com potencial para ameaçar o abastecimento pelas próximas décadas, diz o professor Antonio Carlos Zuffo, do Departamento de Recursos Hídricos da Universidade de Campinas (Unicamp).
Segundo Zuffo, essa variação de ciclos não foi levada em conta no planejamento hídrico do Estado. De 1930 a 1970, as regiões Sul e Sudeste viveram um período de baixas precipitações. Mas entre 1970 e 2010, justamente quando o Sistema Cantareira entrou em operação, a região passou por um período úmido. “Nossos tomadores de decisões se guiaram pela falsa ilusão de que continuaríamos produzindo água”, diz.
A situação ganha contornos mais alarmantes quando se leva em conta que a região Sudeste dispõe apenas de cerca de 6% das reservas de água do País, enquanto reúne em torno de 40% da população, como lembra o presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.
No Estado de São Paulo, a situação é similar. A população está mais concentrada na região metropolitana, mas os rios da área são de pequeno porte – com exceção do Tietê. Tanto que o Sistema Cantareira é formado por cinco reservatórios, três deles localizados na bacia do rio Piracicaba, no interior do Estado.
Na avaliação de Zuffo, a falta de planejamento do crescimento da região metropolitana, que concentra a maior parte da população do Estado, tem impacto direto sobre o consumo de água. A região atrai cerca de 200 mil novos moradores por ano. As perdas financeiras provocadas por ligações clandestinas e o avanço da população em direção às cabeceiras dos reservatórios, também prejudicam o abastecimento.