Os Incríveis II parte de uma situação conhecida: o universo onde os super-heróis não são novidade, nem despertam admiração. Eles são rejeitados por suas diferenças e pelos danos colaterais causados durante as batalhas nas cidades. Esta também era a premissa do primeiro Os Incríveis, e de uma série de produções que pretendem inserir personagens sobrenaturais num mundo realista – vide o Homem de Aço, questionado por suas destruições, ou mesmo os X-Men, excluídos por sua diferença. Num mundo governado por humanos comuns, aqueles que não se encaixam na norma são vistos como inferiores. Por isso, Roberto Pêra, Helena Pêra e os três filhos levam uma vida entediante, sem utilizarem os poderes.
A Disney/Pixar reproduz a divergência de ponto de vista entre os dois pais, privilegiando desta vez as mulheres. É Helena quem consegue voltar à ação, ainda que ilegalmente, enquanto o marido cuida das crianças. Por um lado, esta escolha permite dar protagonismo às figuras femininas – todas as reviravoltas são causadas por mulheres –, além de ressaltar a dificuldade do poderoso Roberto em cuidar de um bebê e dar atenção a Flecha e Violeta. Salvar o mundo e cuidar dos filhos são vistos como tarefas igualmente difíceis e importantes, algo louvável por valorizar funções normalmente associadas à mãe/esposa. Talvez os motivos que levem Helena a ser preferida em relação ao marido sejam um tanto frágeis, porém permitem o andamento entre duas tramas paralelas, assim como na animação original.
Mais uma vez, o equilíbrio se dá entre as cenas de ação e o humor da vida doméstica. Durante boa parte da trama, a família Pêra está separada: enquanto a mãe combate o crime, o marido fica com as crianças, e depois, quando os adultos se unem, eles ficam separados dos filhos. A cada frenética cena de ação, um momento cômico impede que o projeto se leve a sério demais. Como de costume nos projetos da empresa e nos filmes dirigidos por Brad Bird, a produção é excepcional: a técnica de animação impressiona pelas texturas e pelo trabalho de luz, a trilha sonora é impecável (com composições típicas de James Bond, além de divertidos jingles para Mulher Elástica, Sr. Incrível e Gelado) e a montagem garante um ritmo agradável do início ao fim, sem as lentidões que costumam afetar o segundo terço das aventuras de ação.
Apesar das evidentes qualidades técnicas, o roteiro tem seus problemas. O primeiro deles é a dificuldade de encontrar uma função narrativa a dois de seus principais alívios cômicos: o bebê Zezé e a estilista Edna Moda. O primeiro garante os momentos mais engraçados, mas é uma pena que a história não use ativamente seus poderes na resolução dos conflitos. As habilidades impressionantes da criança – que já tínhamos visto no final de Os Incríveis – permanecem no nível da sugestão. Já Edna ganha uma cena divertida, ainda que pouco relevante ao andamento da história. A Pixar também precisa encontrar outras maneiras de apresentar seus vilões.