Os ônibus trafegavam paralelamente aos bondes. Como era muito estreita a faixa entre os trilhos e a calçada, os bondes apinhados levavam grande número de pessoas penduradas nos estribos, os acidentes eram constantes. Inúmeras pessoas morreram nesses tristes eventos. Algumas vezes os ônibus resvalavam nos estribos, levando de roldão dezenas de passageiros.
Destes, alguns saiam feridos, outros encontravam morte instantânea. Motorneiros dos bondes e motoristas dos ônibus acusavam-se pelos constantes desastres. Até que, em princípios da década de 60, as linhas dos bondes foram extintas. As autoridades achavam esses coletivos muito morosos, concluindo que atrapalhavam o livre fluxo de trânsito nas ruas da Capital Paulista. Por mais de meio século esse magnífico veículo serviu o povo de São Paulo.
Histórias interessantes e pitorescas ocorreram em seu interior e ao longo de suas viagens, envolvendo seus personagens: motorneiros, cobradores e passageiros. Os primeiros, em sua maioria portugueses, quase sempre objeto de piadas e brincadeiras. Não obstante, sempre foram respeitados pelo seu alto senso de profissionalismo.
Assiduidade e fiel cumprimento dos horários seus pontos fortes. Trabalhavam uniformizados: túnica, calças e quepe azuis. O azul da roupa era marinho, como os usados pela Guarda Civil da época. No início do século a tarefa desses homens era fácil, pois quase todos os usuários viajavam sentados. Com o passar do tempo, a população foi crescendo, não mais sendo possível acomodar todas as pessoas no interior dos bondes.
Em conseqüência, enorme número delas passou a viajar pendurada nos estribos. Para cobrar, o homem tinha de agarrar-se aos balaústres e passar sobre a massa humana.
É bom lembrar que o indivíduo tinha de equilibrar-se, avançar ao longo do estribo e ao mesmo tempo cobrar e efetuar o troco. Para guardar dinheiro, levava uma bolsa de couro pendurada ao pescoço. Mesmo sendo extremamente honestos, não ficavam livres das brincadeiras do povo, que inventou a seguinte frase: Tlim, tlim, dois pra Laite (Light) e um pra mim!. A frase era uma re-ferência ao ato de cobrar o passageiro. Efetuada a cobrança, o cobrador acionava uma alça conectada a uma haste longa, que por sua vez fazia girar um mecanismo.
Este era uma espécie de conta giros, cuja função era a de ir somando os valores cobrados. A haste ficava na parte superior do teto do bonde, em cima e próxima dos balaústres e suas alças ficavam ligeiramente para fora. Quando a alça era acionada fazia tocar uma campainha na parte dianteira do bonde: tlim, tlim. Uma corda, instalada paralelamente a haste citada, tinha a função de acionar uma outra campainha para avisar o motorneiro que alguma pessoa pretendia descer.
A extinção das linhas de bondes em 1961 marcou o final de uma época provinciana, em que predominavam o romantismo e ingenuidade. Por incrível coincidência, também pela mesma época estavam em extinção a honestidade, o cavalheirismo, o respeito para com o próximo, a ética, a religiosidade e outras tantas virtudes, tão raras nos dias atuais.
A morosidade dos bondes era uma espécie de anteparo à turbulência e voracidade dos tempos que estavam por vir. Com sua extinção, não só o fluxo de trânsito foi liberado, mas, para azar de todos, outros fluxos passaram a encontrar livre vazão, estes não tão bons e necessários como aquele.
Finalmente, no ano de 1981, a linha Leste-Oeste do Metrô chegou ao Tatuapé. O bairro era beneficiado com duas estações: a Estação Tatuapé e a Estação Carrão. Já, anos antes, havia sido construída a Avenida Alcântara Machado (Radial Leste), que dava vazão a incalculável número de carros particulares e de linhas de ônibus.
A enorme população da Zona Leste já podia beneficiar-se com uma das modalidades de transporte mais modernas do mundo. Fechava-se temporariamente o ciclo de desenvolvimento dos sistemas de transportes do bairro. O Tatuapé passara pelas carroças tracionados por animais, pelas charretes, pelos trens, pelos bondes e pelas barcaças do Tietê.