Nos últimos anos do século 19 e primeiros do século passado, o Tatuapé era uma região agreste em quase toda sua totalidade. Em alguns pontos a mata era rala e a vegetação baixa; noutros, alta, densa e exuberante. O Rio Tietê, na parte baixa, e a Mata Paula Souza, na parte alta, os dois maiores mananciais da flora e da fauna do bairro.
Esta última, magnífica mata virgem, quase impenetrável, ocupava a área correspondente aos atuais Ceret e Lar Beneficente Anália Franco. Por todos os rincões espraiavam-se extensos capinzais, nos quais dominavam o colonião, o barba de bode e o capim-gordura. Era enorme a quantidade de espinheiros e pés de mamona, havendo, num ou noutro ponto, grandes bambuzais.
Pontificavam soberbamente na mata: ipês, paineiras, ingás, sibipuranas, cambuis e caraguatás. Muitas delas tinham seus troncos envolvidos por trepadeiras e samambaias silvestres. Chorões espalhavam-se pelas margens do rio, pousando a ramagem sobre suas águas suavemente. Misturando-se à relva, grande variedade de ervas: caruru selvagem, picão, erva-de-bicho, capim santo, quebra-pedra e muitas outras.
Devido os escassos recursos médicos daqueles tempos, os moradores faziam uso de muitas delas para fins de medicina caseira. Preparavam em suas próprias casas: chás, infusões, tinturas, unguentos e xaropes. As folhas de eucalipto eram largamente usadas nas inalações, para combater males respiratórios. Tratavam-se as tosses e as bronquites com xarope preparado com os frutos de caraguatá.
Sobre as queimaduras colocavam-se folhas de bálsamo previamente aquecida. O receituário caseiro ainda prescrevia: a erva língua de vaca para o tratamento das diabetes, o sabugueiro para fazer rebentar a catapora e o sarampo e o mentrus para a cicatrização de ferimentos e a própria tuberculose. As mulheres grávidas eram acompanhadas na hora do parto por parteiras ou aparadeiras, como eram vulgarmente conhecidas.
Intensa e variada vida animal desenvolvia-se espontaneamente naquelas matas. Explêndido habitat para grande variedade de pássaros: papacapins, sabiás, corruiras, pintassilgos, bem-te-vis, azulões, rolinhas, bicos-de-lacre, anuns-pretos e muitos outros.
Claro que não podiam faltar os vorazes pardais, praga odiada pelos proprietários de chácaras e pomares. Na tentativa de afugentá-los, fincavam em suas terras os assustadores espantalhos. Na maior parte das vezes a estratégia mostrava-se inútil. Os passarinheiros com seus alçapões e arapucas e a garotada com seus estilingues, estes sim, representavam um real perigo.
No Tietê não poluído, bagres, lambaris, acarás, traíras, cascudos, mandis e tabaranas faziam a alegria dos pescadores. Os barqueiros dos batelões podiam dar-se ao luxo de não levar comida em suas viagens. O rio tranqüilamente os nutria. Foi um constante manancial de suprimento alimentício para as populações ribeirinhas.
Entre outras coisas serviu de maneira extraordinária como via de escoamento dos produtos extraídos ou fabricados pelos moradores da região. Na relva das clareiras de suas margens, em domingos ensolarados, incontáveis piqueniques se realizaram. Suas águas límpidas, mornas e mansas acolheram, de forma afável, quase toda a garotada do bairro. Foi um extraordinário campo de trabalho para centenas de barqueiros que tiveram a felicidade de navegá-lo de cima a baixo.
Esse rio, tão querido e lembrado por todos os tatuapeenses, desde o primeiro instante de sua exploração fez parte da história do bairro. Ao falar do Tietê, é lícito e oportuno falar de um pássaro que vivia sobre suas águas, o martim-pescador. Esta singular ave alimentava-se de pequenos peixes que conseguia abocanhar em vôos rasantes. As pessoas ficavam boquiabertas ao vê-lo pescar.