Sr. redator:
“As alterações climáticas são tema frequente de discussão com característica jornalística sazonal. Ao fim de cada ano ocorrem as COPs – Conferência das Partes, que acabam por ser ponto de checagem da opinião pública dos avanços – ou não – das políticas e práticas internacionais de mitigação e adaptação às alterações globais do clima.
O enfoque recorrente é olhar, em termos científicos, o aumento do hiato de emissões desejadas e verificadas. Ao fim de cada período, culpar uma ação ou outra pela inoperância dos tratados vigentes e aguardar a próxima rodada. Nela, novamente serão apresentados o teto de emissões globais, a escala de responsabilidade de cada nação, a contribuição que cada país está disposto a fazer, e por aí vai. Essa é a tônica do debate nos meios especializado e não especializado.
O limite de emissões anuais para o século é da ordem de 18 GT de CO2e ano a ano. O caminho definido para chegar lá requer, de forma científica, razoável, que não passemos de 44 GT até 2020. Mas, a tendência aponta para 58 GT. Essa análise matemática traz embutida uma evidência de fracasso, mas qual é realmente o problema que vai surgir do aquecimento global, para além desse hiato aritmético ou do desconforto de ter verões 2 ou 3 graus mais quentes?
Acontece que o aumento de mais de 2 graus de temperatura, além de um superável desconforto humano, vai causar mudanças nos regimes de chuvas, impactando a agricultura e a segurança alimentar no planeta. Mais, o aumento dos níveis dos oceanos vai gerar impactos fundiários nas cidades costeiras (segundo a ONU 2/3 da população do mundo vive a menos que 50 km da costa).
Aliado a isso, o aumento de intensidade e frequência de eventos extremos como cheias e secas vai aumentar, sobretudo na África a incidência de doenças como a malária e outras que se proliferam a partir da falta de estrutura de saneamento e de meios de adaptação.
À medida que as condições humanas ficam dificultadas espera-se movimentos de êxodo para as regiões menos atingidas – ou melhor preparadas – para se adaptar às alterações climáticas. Ou seja, as regiões que menos sofrerem o impacto direto das alterações climáticas, sofrerão com o êxodo, sobrecarregando os serviços públicos, a urbanização descontrolada, com implicação séria nas capacidades de assegurar emprego, moradia, saúde, saneamento, educação e segurança pública nesses centros.
Defere-se dessa discussão que o aumento de temperaturas é o menor problema do aquecimento global. Gostemos ou não, acreditemos ou não, estamos todos no clima, e ele não é favorável a ninguém. Como é que vamos resolver isso? Plantando árvores e dizendo que estamos fazendo nossa parte? Fazer a nossa parte implica em acolher migrantes do clima, que implica em rediscutir o modelo socioeconômico capitalista global.
A OIM – Organização Internacional para as Migrações – estima que até 2050 haverá 1 bilhão de pessoas forçadas a migrar como resultado de alterações climáticas. Isso representa nada menos que 1 a cada 7 habitantes do globo.”
Felipe Bottini
