POR CAROLINE BORGES
A rotina extenuante da televisão pode exigir uma redução do ritmo ao longo dos anos. Com mais de cinco décadas na tevê e ostentando mais de 40 novelas no currículo, Arlete Salles está na contramão dessa tendência, com um aumento significativo na carga de trabalho como protagonista e antagonista de “Família é Tudo”, novíssima novela das 19 horas. Além de estrelar o enredo de Daniel Ortiz, a atriz de 85 anos vive, pela primeira vez, gêmeas na ficção. “Adoro o ofício em qualquer espaço que seja. Tivemos uma estreia bacana, trazendo esperança e coisas novas. Espero chegar ao fim desse projeto feliz como estou hoje”, valoriza.
Na novela, Arlete interpreta Frida e Catarina, duas gêmeas de personalidades completamente opostas. Animada, maternal e excêntrica, Frida Mancini é a avó que muita gente gostaria de ter. Dona da gravadora Mancini Music, ela se casou cedo e trabalhou com o marido para erguer a empresa da família. Carismática e com espírito jovem, ela sonha em reunir os cinco netos novamente. Já a gêmea Catarina, ao contrário da irmã, é uma mulher frustrada e invejosa. Amarga, vive às custas da irmã rica e não se conforma que seu único filho, Hans, de Raphael Logam, não seja o sucessor na gravadora, já que é ele quem comanda a empresa. Por conta do testamento de Frida, que obriga os cinco netos a viverem juntos por um ano, Catarina e Hans farão de tudo para que os netos não se unam. “Não cheguei a ver ‘Mulheres de Areia’, mas a Ruth e a Raquel estavam desenhadas entre o bem e o mal. Essas duas irmãs também. Uma é cheia de amor e vida. A outra é só inveja e mágoa”, compara.
P – Mesmo com os avanços dos últimos anos, a televisão ainda é um ambiente bastante etarista. Qual é a sensação de protagonizar uma novela e viver gêmeas aos 85 anos e com mais cinco décadas de carreira?
R – Foi muito estimulante. Poder viver duas personagens é algo muito estimulante. “Família é Tudo” é um trabalho renovador. É muito bom ver seu trabalho ser reconhecido. Espero que isso inspire outros autores e convoquem outras atrizes da minha idade para trabalharem. Eu, por enquanto, não penso em aposentadoria. Mas, quando chegar a hora, vou saber.
P – Na história, você vive as irmãs gêmeas Frida e Catarina. Como tem sido a rotina de encarar duas personagens diante do vídeo?
R – É a primeira vez que vivo essa experiência de contracenar comigo mesma. Lembro da Gloria Pires (em “Mulheres de Areia”), que mereceu todos os nossos aplausos e merece sempre, porque é bem cansativo. E olha que isso acontece só nos primeiros capítulos, já que a Frida logo desaparece. Mas um dia de gravação, por exemplo, é bastante extenuante.
P – O que torna o processo cansativo?
R – Contracenar comigo mesma é dificílimo. São muitas mudanças em um único dia de gravação. Tem de mudar cabelo, roupa, maquiagem… É uma correria. Então, você precisa incorporar outra personagem, né? A Catarina anda de um jeito, coloca as mãos assim… Os sentimentos da Frida são de outra forma. É trabalhoso, mas aí é que está o grande barato da profissão.
P – E como foi seu processo de construção para diferenciar as personagens?
R – As duas são muito bacanas, né? A Frida é mais compatível com meu temperamento. Ela é a que dá uma sumidinha (risos). A Frida é alegre, feliz e solar. A Catarina é muito boa para mim como intérprete. Mas não me identifico com ela em nenhum aspecto. Ela não é psicopata, é apenas uma mulher amargurada e invejosa. Não há beleza no comportamento dela. Acho que a vilania é mais por conta do filho. Acredito até que ela desconheça um pouco esse lado dele.
P – Mas há algum tipo de espaço para redenção da Catarina ao longo da história?
R – Acho que não há redenção possível. Não vejo no momento. Mas sei lá o que o autor reserva para essa personagem. Fico bem surpreendida com os capítulos que vou recebendo. Leio com muito interesse. O Daniel tem uma narrativa maravilhosa. Estou apaixonada, sou uma admiradora dele e estamos nos dando muito bem.
P – Logo na primeira semana, vão ao ar as sequências do cruzeiro em que Frida desaparece misteriosamente. As cenas levaram 10 dias para serem gravadas. Como foi encarar essa jornada?
R – O início da novela tem cenas bem difíceis. A sequência do navio foi muito complexa. Usamos todos os recursos técnicos e humanos. Foi cansativa e a gente se deslocava de um lado para o outro. Foram muitos dias de gravações. Novela é assim mesmo, né? Trabalho puxado.
P – Como assim?
R – Sempre foi assim. Trabalho puxado. Novela não é brincadeira. É um gênero que ficou muito difícil com os anos. Sofisticou-se em todos os segmentos. Técnica e humanamente. Não é para qualquer um. Tem gente que pensa que novela das 19 horas é mais simples. Mas não tem nada de simples. São 12 horas de trabalho de segunda a sábado.
P – A trama de “Família é Tudo” marca sua primeira parceria com o diretor Fred Mayrink. Como tem sido essa relação no “set”?
R – Ele é um sonho para qualquer ator. Educado, confiante e otimista. Gosto de pessoas otimistas. Sou uma geminiana típica, né? Há sempre um crescimento profissional nessas novas relações que a tevê nos proporciona. Traz um novo entendimento. Nunca vamos saber tudo essa profissão.
“Família é Tudo” – Globo – Segunda a sábado, às 19h30.
Vovó nota 10
Assim como Frida, Arlete Salles também se considera uma grande avó. A atriz de 85 anos tem dois netos, que são suas grandes paixões. “Me identifico muito com esse lado avó da Frida. É tão bom se despedir dos netos e ouvir um ‘vó te amo’. Não tem sensação melhor. A Frida é a avó ideal”, afirma.
Ainda aguardando as repercussões da estreia, Arlete torce para que suas gêmeas caiam no gosto do público. “Antigamente era muito comum ter personagem marcantes, né? Mas hoje as pessoas têm muitas opções. Mas temos um trabalho bom e espero que marquem as pessoas”, torce.
Novo modelo de trabalho
Assim como boa parte do elenco da Globo, Arlete Salles pode estar se despedindo do canal. Há 55 anos na emissora, ela se prepara para o fim de seu contrato fixo em dezembro de 2024. “Acho que meu contrato acaba, na verdade, durante as gravações. Mas, como estou no ar, será renovado até o fim da novela. Minha advogada falou algo assim. E, no final do ano, conversaríamos todos novamente. Está tudo bem. São os novos tempos”, afirma.
Instantâneas
# Antes de “Família é Tudo”, Arlete Salles gravou o filme “Dona Lurdes – O Filme”, spin-off da novela “Amor de Mãe”. Ainda sem data de estreia, o longa faz parte do Núcleo de Produção de Filmes dos Estúdios Globo.
# A estreia da atriz em telenovelas foi em “Sangue e Areia”, da Globo, em 1968.
# Arlete tem uma longa e frutífera parceria com Miguel Falabella. Ela esteve em produções do autor, como “Toma Lá, Dá Cá” e “Eu, a Vó e a Boi”. “Adoro trabalhar com o Miguel”, elogia.
# Durante o período de isolamento da pandemia de Covid-19, Arlete seguiu trabalhando. Ela esteve nas séries remotas “Diário de Um Confinado” e “Amor e Sorte”.