Da medicina caseira aos hospitais e clínicas do Tatuapé – Muita água correu sob a ponte, até que o bairro tivesse condições de dar aos seus moradores um mínimo de suporte à saúde. Como foi dito anteriormente, nos primeiros anos do século passado, as pessoas que aqui residiam se automedicavam. Dois motivos levavam a isso: a grande pobreza reinante e a falta de médicos nas imediações.
Aqueles que tinham mais posses e estavam acostumados a consultar os médicos regularmente, tinham duas únicas alternativas: ou se dirigiam ao Hospital do Brás; ou buscavam alguns poucos consultórios em bairros centrais. Para a grande maioria, portanto, restava a velha medicina caseira. Chás, ungüentos, xaropes e infusões eram rotineiramente feitos por eles. Absolutamente comuns diversas práticas terapêuticas: aplicações de compressas, emplastros e cataplasmas; preparação de banhos de acento; inalações com folhas de ervas aromáticas e principalmente de eucaliptos etc.
CUIDADO DE MÃE
Era coisa normal as próprias mães definirem uma dieta rica em cálcio, ferro ou iodo. Todas essas coisas, bem entendido, para males físicos. Para males da alma ou psíquicos, chamavam-se as curandeiras ou benzedeiras. Cada uma delas tinha uma peculiar maneira de resolver os problemas daqueles que as procuravam. Sérias e compenetradas, desenvolviam silenciosamente seus herméticos rituais. Não se pode esquecer dos partos. Geralmente eram feitos nas próprias casas das pacientes. Não por médicos, pois não os havia, mas por parteiras ou aparadeiras, como eram vulgarmente conhecidas.
Entre muitas outras, dona Lucinda, dona Iracema e dona Clorinda as mais conhecidas do Tatuapé. Não é absurdo dizer que a maioria das crianças nascidas naqueles remotos tempos passaram pelas mãos dessas três senhoras. Nem tão remotos assim, pois algumas ainda prestavam seus serviços na década de 50. Mesmo com todas as dificuldades e falta de condições adequadas de assepsia da época, poucas eram as mães ou crianças que morriam no ato do parto. Isto, é claro, devido à indiscutível perícia de que eram dotadas essas mulheres.
AS PERNADAS DAS PELADAS
Um problema corriqueiro daqueles dias, as contusões, fraturas e entorses da coluna, motivados principalmente pelas “peladas” da várzea. É bom lembrar que na região havia mais de duas centenas de clubes. Se o bairro não dispunha de médicos clínicos, que dizer então de especialistas em ortopedia. E na falta destes o que fazer com os atletas machucados? Felizmente restava um lugar para atendê-los: o açougue do “seo” Antonio. Ficava na Rua do Ouro, esquina com a Fernandes Pinheiro. Sem ser ortopedista, ele fazia verdadeiros milagres, normalmente colocando pernas, pés e colunas em seus devidos lugares. Até fraturas chegou a curar.
Antonio dos Santos era português, trasmontano. Nascido em sua terra em 1898, aos dezessete anos se aventurou em viagem ao Brasil. Deu com as costas no Rio de Janeiro e, já demonstrando aquela incrível aptidão, acabou como massagista do Vasco da Gama. Não se adaptando, voltou após um ano para Portugal. Irriquieto, também lá não permaneceu, viajando pouco tempo depois para o Brasil, mas desta vez para São Paulo.
Após muitas andanças, acabou se fixando no Tatuapé, isto no ano de 1933, montando no endereço acima seu estabelecimento. Foi casado com dona Maria da Glória dos Santos e pai de três filhos: Ivone, Anibal e Adelina. O filho homem o ajudou muitos anos, carregava em sua bicicleta a carne cortada por seu pai e encomendada pelas empresas do bairro.
Casado e com filhos este excelente moço morreu cedo. Dentre as muitas pessoas que tratou, Antonio lembrava com especial orgulho de uma: o grande jogador do Palmeiras e da Seleção Brasileira, Djalma Santos. Antonio dos Santos “o ortopedista do Tatuapé” faleceu em 1963. Um ano antes fechara seu açougue.
Outra pessoa que se dedicava a essa mesma prática chamava-se Andréa Martins. Era uma espanhola idosa e baixinha. Por incrível coincidência morava na Rua do Ouro (atual Estevão Pernet), só que próximo à esquina da Rua Serra de Japi. Quem a procurava e não a conhecia pensava ter recebido o endereço errado. Que diabo poderia fazer aquela criatura tão velha e tão mirrada com os pés e pernas de crianças fortes e homens barbados? Errado estava aquele que assim pensasse. Aquela mulher, de pouco mais de que um metro e meio, guardava em seu pequenino corpo uma energia simplesmente espantosa.
Era até engraçado vê-la trabalhar. Metia seus dedos magros e enrugados, untados de óleo quente, nos músculos e tendões dos indivíduos, acomodando-os lentamente. Esfregava, esfregava, esfregava pacientemente até estar convencida do sucesso da massagem. Feito isso, envolvia fortemente a parte contundida com diversas voltas de gaze, completando o curativo com tiras de esparadrapo. Médicos e enfermeiras não fariam um trabalho melhor. Impressionante aquela dona Andréa! Dadas as enormes carências daqueles tempos, pessoas como seo Antonio e dona Andréa pareciam criaturas enviadas pelo céu.
Pois bem! Antes de surgirem pelo bairro os primeiros médicos, já existiam alguns farmacêuticos ou boticários, como eram chamados pelo povo, que já se estabeleciam por estas terras. E na falta de facultativos, cabia a eles, na medida do possível, dar assistência aos doentes, isto é claro, quando a medicina caseira, as rezas e as simpatias haviam falhado.
Os famosos medicamentos elaborados nas farmácias de manipulação, tão em voga nos dias atuais, faziam parte do trabalho rotineiro dos farmacêuticos de então. Os fregueses lhes apresentavam as receitas e após um ou dois dias adquiriam o remédio pronto. Não poucas vezes, eles mesmos diagnosticavam o mal, expediam a receita e preparavam o medicamento.
Na época não havia grande número de laboratórios, tal como hoje, nem os milhares de remédios que abarrotam as prateleiras das farmácias. Portanto, esses antigos profissionais faziam as vezes do médico, do conselheiro e do químico responsável.
Não deve ser esquecido um importante detalhe: nem todos os enfermos podiam locomover-se até as farmácias. Nesses casos, esses homens tinham de andar alguns quilômetros até as suas residências para aplicar-lhes uma injeção ou proceder a determinados curativos.
Era comum ver pelas picadas do bairro aqueles homens de branco portando suas valises, a passo rápido, seguindo em direção à casa dos seus clientes. Já na longínqua década de 20, Antonio Zimbardi dava atendimento aos moradores do baixo Tatuapé, em seu estabelecimento da Avenida Celso Garcia, esquina da Almirante Calheiros.
Mais tarde, na Rua Vilela, primeiro seo Nelson e depois o Pedrinho davam excepcional atendimento aos moradores da região. Ainda na Avenida Celso Garcia, esquina com a Rua Ernesto Mariano, havia a Farmácia Araci, de Theodomiro de Almeida. Enquanto isso, também em época bem remota, Ismael Pacheco, com sua farmácia na Praça Silvio Romero, cobria as necessidades do pessoal da parte alta.
Ismael era um verdadeiro pai para todos. Anos mais tarde, estabeleceu-se na Rua Coelho Lisboa outro incrível profissional: Sr. Jonas. Era mais fácil vê-lo subindo e descendo ladeiras em demanda das casas dos seus doentes, do que na própria farmácia. A fala rápida e o tom energético das suas palavras às vezes assustava as pessoas que o procuravam, mas era apenas seu jeito.
Já pelos idos dos anos 50, surge a Farmácia Santa Rita de Nelson Kaer, na Praça Silvio Romero, esquina da Izidro Tinoco. Mais ou menos no mesmo período, se estabelece na Rua Serra de Bragança, próximo da esquina da Rua Serra do Japi, a farmácia do senhor Godofredo. Para completar o extraordinário quadro de excelentes profissionais do ramo, não poderíamos deixar de citar a tradicional Farmácia do Branco, na Avenida Celso Garcia, nas proximidades da Rua Vilela.
Em meados da década de 30, começam a surgir os primeiros médicos na região. O doutor Rechulski, de saudosa memória, foi um dos primeiros. Tinha seu pequeno e modesto consultório no segundo piso de um sobrado, existente até hoje, na esquina da Avenida Celso Garcia com a Rua São Felipe. No final dessa mesma década, o doutor José Beraldi se estabelecia na Rua Cesário Galeno, passava pouco tempo depois para a Rua Antonio de Barros e finalmente para a Avenida Celso Garcia, quase defronte da rua anterior, onde se mantém há mais de 40 anos.
Devido aos relevantes serviços prestados à comunidade, este profissional foi agraciado em 1988 com a Medalha Anchieta, concedida pela Prefeitura e Edilidade paulistanas. Alguns poucos anos depois, em meados da década de 40, se instala no bairro o doutor Oswaldo Macedo, na mesma avenida dos seus colegas, mas na esquina da Rua Almirante Calheiros.
Pouco a pouco a região vai sendo prestigiada por excelentes profissionais da área médica. Em fevereiro de 1951, o doutor Rodolfo Janelli monta seu consultório em plena Praça Silvio Romero. Anos mais tarde chegam à mesma praça os doutores Oswaldo Cruz, Elias Naufal e Osires Tessitore. Este último foi um dos fundadores do Rotary de São Paulo Tatuapé – e seu primeiro presidente, entre 1970/1971.
Também em meados da década de 50, instalava-se na Rua Tuiuti, entre a via férrea e a Celso Garcia, a doutora Herminia Piedade Correia, pediatra da mais alta competência. Uma plêiade de cirurgiões dentistas veio somar seus esforços aos dos médicos, elevando os padrões do setor de saúde local.
Em 1959, um grupo de médicos que dava atendimento no Hospital da Penha, percebendo a carência desse serviço no Tatuapé, funda o Hospital Cristo Rei, nas proximidades da Rua Antonio de Barros, em plena Avenida Celso Garcia. Eram eles: Hermenegildo e Edson Morbin, Edmundo e Luis Russo, Antonio Saratani e esposa, Farid Demétrio, Oswaldo Macedo, Stefano Jorgewich e Arlindo Genari. Dois anos depois já começavam a ser recebidos os primeiros pacientes. Começou com um modesto número de leitos, apenas 20. Conta atualmente com 190 leitos, 100 médicos e 400 funcionários. O atendimento mensal é de 8 a 10 mil consultas, 600 internações, 250 partos e 150 cirurgias.
HOSPITAL MUNICIPAL DO TATUAPÉ
Dez anos depois, em 1969, o Hospital Municipal do Tatuapé era inaugurado pelo Brigadeiro Faria Lima, prefeito de São Paulo na ocasião. Teve, a seguir, suas instalações reformadas e aumentadas nas gestões dos prefeitos seguintes: Mário Covas, Jânio Quadros e Luiza Erundina. É um moderno prédio de 10 andares com área total de 23 mil metros quadrados.
A moderna aparelhagem com que é equipado faz dele o melhor hospital da rede municipal e um dos melhores de São Paulo. Seu Pronto-Socorro atende não só os moradores do Tatuapé, mas os de uma vasta região, praticamente toda a Zona Leste. Sua Clínica de Queimados é uma das mais importantes do País.
Sou bisneto do Sr António,massagista do rua do Ouro! Neto da Adelina! Como conseguiram essas informações sobre ele? Hoje moro em Portugal, terra do meu bisavô,e com muita satisfação descobri essa reportagem sobre ele! Obrigado!!