Tatupé: os batelões e os piqueniques às margens do Tietê – A extração da areia era outro trabalho rudimentar e cansativo. Os barqueiros estacionavam o batelão em um determinado lugar previamente escolhido para a sua retirada. Segurando fortemente a haste em cuja ponta se achava a concha metálica, um deles a empurrava até o fundo do rio.
O outro o ajudava com um furquim ajustado na mesma haste em ponto próximo da concha. Uma vez cheia, os homens a puxavam até a superfície do barco, jogando a areia em compartimentos próprios.
Nos primeiros anos do século 19, a areia era retirada das regiões do Belém, Tatuapé e Penha. Quando começou a escassear nesses bairros, os trabalhadores tiveram que ir buscá-la pelos lados de Itaquaquecetuba, Suzano, Itaquera, Itaim e locais ainda mais distantes. O trabalho era penoso, levava horas, às vezes dias.
Muitas noites eram passadas no próprio barco. Estes possuíam junto à proa uma caixa para guardar mantimentos e um fogareiro. Na parte traseira, próxima do leme, um compartimento com colchonete e mantas para dormir. Esses homens estavam acostumados a viver no barco. Comiam, bebiam e dormiam nele. A água para beber e preparar a comida era retirada do próprio rio, naquele tempo límpida e pura.
Os batelões, construídos em dois tamanhos: 12,40 m e 16,40 m carregavam 8 e 16 metros cúbicos de areia, respectivamente. Quando navegavam a favor da correnteza os barqueiros se utilizavam dos remos; quando contra, faziam uso dos varões. O afundamento de um barco era um fato raro, mas às vezes ocorria. Nessas ocasiões, diversos colegas do infortunado barqueiro acorriam ao local para ajudá-lo. Era grande o espírito de solidariedade entre aqueles homens.
OS PASSEIOS NAS ÁGUAS DO TIETÊ
Nos finais de semana, os batelões eram alugados para fins mais nobres, para passeios ao longo do rio ou piqueniques. Para essa finalidade seus donos os limpavam e adornavam. Dessa forma, sua aparência festiva se adequava ao evento.
Um dos grupos que mais os requisitavam era o dos paroquianos da igreja do Cristo Rei. Normalmente o organizador desses passeios era o João Tarenta (Carnera). Desnecessário dizer a grande alegria e empolgação que tomava conta da rapaziada naqueles dias. A extasiante beleza da flora ribeirinha encantava a todos.
A limpidez e suavidade das águas do Tietê criavam uma atmosfera de bem estar e serenidade difíceis de descrever. Quando a fome atacava, paravam em uma das muitas clareiras espalhadas ao longo do rio e, sobre a relva, sentados em rodas, a saciavam com as iguarias levadas pelas moças.

Muitos foram os barqueiros que durante anos se dedicaram a esse trabalho. Entre tantos são dignos de citação: Manoel, João e José Capela, Manoel e João Bota, João e Horácio Quarta, Ferreira, Martasita, Aristides e esposa, Julio Pereira e seus dois fi-lhos e os irmãos Bartola. A respeito destes, conta-se uma curiosa passagem: certa vez tinham uma carga de diversas mercadorias para levar até o Centro.
Entre os produtos, certa quantidade de garrafões de vinho. Como era de praxe, pararam sob frondosa figueira, que havia nas proximidades do Corinthians, para almoçar. Não só almoçaram como abriram um dos garrafões e se puseram a beber.
Exageraram nas doses, resultando em uma tremenda bebedeira. Horas mais tarde os responsáveis saíram à procura de ambos, encontrando-os no mais profundo sono. Conta-se, também, que por ocasião da revolução de 1924, em meio a imensas dificuldades, os barqueiros pescavam grande quantidade de peixes no Tietê e os trocavam por todo tipo de mercadorias, isto é claro, depois de fartarem-se deles.
A maior parte desses heróicos trabalhadores era de nacionalidade portuguesa. João Capela, apelidado de João Caiado, trabalhou em seu barco de 1916 a 1956, ou seja, 40 anos ininterruptamente.