Por Marcia Esteves Agostinho*
No imaginário tradicional, namorar é uma espécie de “ensaio geral” para o casamento. Duas pessoas se conhecem, sentem atração, iniciam um namoro e, com o tempo, avaliam se há compatibilidade suficiente para dar um passo mais firme na direção de uma vida a dois. Esse percurso – conhecer, conviver, comprometer-se – parece linear e natural. Mas será que ele ainda é o único caminho possível?
Com as novas formas de conexão proporcionadas pela tecnologia, surgem histórias que invertem essa ordem. Imagine duas pessoas que se conhecem por um aplicativo, vivem em países diferentes e, depois de meses de conversa online e alguns dias intensos de convivência presencial, decidem se casar.
Não para realizar um sonho romântico idealizado, mas para poderem enfim ficar juntas – e aí sim começar a namorar no dia a dia da convivência. Esse é um “casar para namorar”: o compromisso formal antecede a intimidade prática.
Ambas as trajetórias nos convidam a repensar o papel do namoro hoje. No meu livro Por que casamos, afirmo que “o namoro serve para testar o quanto aquela pessoa pela qual nos sentimos atraídos pode nos completar. Serve para verificar se, de fato, temos vontade de assumir o compromisso de amar.” Em outras palavras, o namoro é uma experiência seletiva – não só de atração, mas de convivência, afeto e responsabilidade.
No entanto, a realidade contemporânea desafia essa sequência. Relações começam à distância, avançam em ritmo acelerado, e o compromisso pode surgir antes da rotina compartilhada. Isso significa que o namoro perdeu sua função?
Não. Significa que ele está se transformando. Em vez de ser apenas um rito de passagem antes do casamento, ele pode acontecer dentro do casamento – como uma fase de construção do vínculo, de descoberta mútua e de teste da convivência.
Essa mudança revela algo importante: mais do que uma etapa com começo, meio e fim, o namoro é uma disposição. Um estado de abertura para o outro, de curiosidade, de encantamento e cuidado. E essa disposição precisa existir tanto antes quanto depois do compromisso formal.
Casar sem nunca ter namorado é arriscado. Mas também é perigoso namorar sem nunca ter assumido o compromisso de cuidar, respeitar e permanecer. Amar, afinal, é uma ação – não uma paixão. E o amor erótico só se sustenta quando há espaço para intimidade, presença e construção conjunta. Por isso, talvez a pergunta não devesse ser quando se namora, mas como se namora – e com que propósito.
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Marcia Esteves Agostinho é doutora em História, especialista em emoções coletivas e autora de “Por que casamos?“