A independência artística é um sonho para boa parte dos profissionais. Aliar e equilibrar pretensões criativas, convicções sociais e planos de carreira são vitais para qualquer ator. Com bons serviços dedicados às artes nas últimas décadas, Claudia Abreu, inclusive, tem feito essa curadoria especial antes de embarcar em um projeto novo. No ar como a complexa Filipa de “Dona de Mim”, a atriz retorna aos folhetins após quase 10 anos em um trabalho que agrega não apenas leveza, mas também importante debates e reflexões. “Não se trata somente de estar de volta para viver uma personagem divertida, que às vezes se deprime e também pode ficar agressiva. É falar sobre o transtorno de humor e poder gerar reflexões no público a que vai assistir. É uma prestação de serviço para quem vai se identificar, para que se cuide ou cuide de alguém próximo que esteja passando pelo mesmo. Novela também promove o bem social”, aponta.
Na história das sete, Filipa é uma mulher sensível e emocionalmente instável. Ela tenta encontrar o seu lugar como mulher e mãe em meio a lembranças de um passado livre como artista. Apesar do talento, sua carreira nunca decolou, em parte por questões de saúde, em parte pelo funil do mercado artístico e da escassez de trabalho para mulheres acima dos 40 anos. “Filipa apresenta instabilidades de humor, talvez por isso não seja validada”, afirma.
P – Antes de “Dona de Mim”, sua última novela havia sido há quase 10 anos. Como foi essa decisão de se dedicar a outros formatos?
R – Estávamos caminhando para uma era de ouro das séries e eu queria experimentar isso também. Fiz duas temporadas de “Desalma”, fiz “Sutura”, escrevi um projeto para o Gloob e logo depois escrevi meu primeiro monólogo, com o qual viajei pelo Brasil por dois anos e meio. Ao longo desses projetos, não havia surgido uma novela que tivesse me dado vontade de fazer.
P – E de que forma o texto de “Dona de Mim” despertou seu interesse em retornar às novelas?
R – É uma novela do presente, tanto socialmente quanto culturalmente. Estou muito feliz em voltar às novelas. Aí Allan (Fiterman, o diretor), com quem já tinha trabalhado em outros projetos, como “Cheias de Charme”, me chamou e eu já queria trabalhar com Rosane há muito tempo. Outro grande motivo que me atraiu para a novela foi estar ao lado do Tony e viver uma personagem bipolar, algo tão difícil de diagnosticar e que gera tantos ataques, principalmente se for mulher. É uma personagem que não deu certo como artista, não é uma boa mãe, procura seu lugar no mundo, mas não perdeu a fé na vida. E o público sentia falta de me ver de volta.
P – Você sentia essa cobrança nas ruas?
R – Sim, ao longo dessas viagens pelo Brasil, a gente circula muito e encontra com as pessoas. Tem o pessoal que sempre espera ao final de uma peça. Sempre perguntavam quando iam me ver nas novelas (risos). Comecei a perceber isso cada vez mais e pensar: “Acho que está na hora de voltar”.
P – A trama de Filipa é uma personagem emocionalmente instável. Como essa questão mental tem sido trabalhada?
R – A Filipa é uma artista solar e intensa. Mas tem a frustração de não ter feito sucesso como atriz e cantora. Ela também não teve sucesso como mãe. Sempre tentando a carreira de artista e não deu atenção à filha. Além disso, a Sofia não se identifica nela como mãe. Então, o emocional dela é bem frágil. Acho importante trazer essa discussão para o horário das sete.
P – Por quê?
R – Eu acho muito interessante esse tema da saúde mental. Minha ideia não era simplesmente voltar e fazer uma personagem divertida e alegre. É bom poder ajudar o público. Falar desses transtornos mentais que são muito comuns, né? Em maior ou menor grau. Muita gente conhece alguém como a Filipa. É interessante prestar esse serviço. Alguém vai se identificar e buscar cuidar de si ou de alguém.
P – Como foi sua pesquisa para abordar essa questão da saúde mental?
R – Eu assisti a um documentário impressionante sobre Nina Simone (“What Happened, Miss Simone?”). A filha conta que a mãe estava muito bem, brincando com ela na sala, e de repente virava outra pessoa. A Filipa não chega a ter rompantes assim. Afinal, toda essa discussão é feita dentro do horário das sete.
P – Você tem alguma predileção por horários?
R – Sempre achei novela das sete uma diversão. Tem cenas não tão longas, mas tem de contar muita coisa em menos tempo. Você é atriz em qualquer horário, mas cada horário tem sua linguagem. Há um ritmo diferente e tem sido muito bom fazer essa novela com o Tony Ramos. E com a Rosane que tem uma antena muito forte para conectar tudo o que acontece na sociedade.