Se a vida de uma família de classe média do badalado bairro carioca de Copacabana já estava num marasmo, com pai, mãe, filhos e sogra em completa desunião, a chegada de um vizinho, no mínimo inusitado, põe em xeque valores, conceitos e transforma a maneira como todos se relacionam naquele lar.
Este é o mote central da comédia de Julia Spadaccini, “A Porta da Frente”, que volta ao Teatro Renaissance, em temporada de 21 de setembro a 28 de outubro, dirigida por Marcelo Várzea e com elenco liderado por Sandra Pêra, Roney Facchini e Miriam Mehler. Sasha, o vizinho vivido por Fabiano Medeiros, é professor de canto e suas aulas são pretexto para as reclamações da família, que na verdade não tolera seu modo de vida.
A trama revela o universo daquela família liderada pelo casal Lenita e Rui, papéis de Sandra e Facchini: ele um corretor de imóveis entediado com o trabalho e distante tanto de sua relação com a esposa como dos filhos gêmeos Natália e Jonas (Greta Antoine e Bruno Sigrist) e ela uma dona de casa que tenta manter o casamento, mas tem prazer mesmo em se relacionar virtualmente com um homem que sequer sabe o nome. Completa o seio familiar, Dona Marilu, mãe de Lenita, vivida por Miriam Mehler, uma avozinha que vive do passado e de fantasias, mas que tem lapsos de lucidez.
Este núcleo familiar, marcado por desencontros e total falta de diálogo, é perturbado ainda mais com a chegada de Sasha, que se veste com trajes femininos e se diz heterossexual. Uma enxurrada de preconceitos vem à tona, sem que ao menos eles se conheçam. No entanto, Rui é o primeiro a visitar o novo vizinho para dizer que suas aulas incomodam a esposa, que sofre de enxaqueca, mas é envolvido pelo carisma do professor e descobre sua vocação pelo canto. O jovem Bruno, ao saber que o pai frequenta a casa de Sasha, também vai até lá para tirar satisfação, mas só recebe bons conselhos do professor. Mãe e filha são as únicas a manter uma irracional oposição ao vizinho.
A direção optou por contar a história de forma segmentada: tudo acontece em três ambientes — na sala da família, no quarto dos filhos (os gêmeos até dividem o cômodo com uma linha para que um não invada o espaço do outro) e na sala de Sasha —, com a iluminação determinando o local da ação.
Sem dúvida o destaque do espetáculo é para o texto, que faz uma radiografia de uma família contemporânea de classe média e que traz um final surpreendente. Pena que a autora não criou situações em que Sasha contracenasse com Marilu, dois personagens tão multifacetados. Destaque ainda para a atuação de Facchini, que com sutileza mostra a profunda transformação de seu personagem, e da veterana Miriam Mehler, que numa participação especial cativa a plateia.
Apresentações: sexta e sábado, às 21h30; e domingo, às 18 horas. Ingressos: R$ 80 e R$ 70 (inteiras). Classificação: 12 anos. Local: Alameda. Santos, 2.233. Mais informações no telefone 3069-2286. Bilheteria: quinta, das 14 às 20 horas; sexta a domingo, das 14 horas até o início da sessão.